Cléber Castro
- Evellyn Torres
- 3 de jun. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 24 de jun. de 2021
“Ninguém faz nada sozinho”
52 anos vivendo entre projetos, corridas e aulas.

“Sou meio tímido!” E foi assim que chegou o professor Cleber Castro - feliz por ter tomado as duas doses da vacina CoronaVac - na chamada de vídeo. Tudo via Google Meet, difícil se adaptar às "lives" da pandemia, diz ele, sobre o novo tipo de interação. Meio tímido, mas como ele mesmo lembrou depois da fala da amiga, Maísa “Cleber, você é muito prolixo”, do dicionário significa: estender-se demais no tempo. Mas, foram quase duas horas de bate-papo, conversa vai e vem sobre a vida e convivências, o tempo foi passando sem ser visto.
Em São Paulo, Pirituba, 1969, nasceu e cresceu Cleber. Uma infância tranquila, feliz, mesmo com as dificuldades. A mãe e o pai vieram do Ceará, compraram um terreno e foram construindo. Tinham bem pouco, a maioria das roupas eram doadas. “Eu sou da época do conga”, conta sorrindo sobre o tênis lançado em 1959, muito famoso na época pelo baixo preço.
Mesmo sendo precária a vida, tinha um pai muito trabalhador que sonhava em ver os filhos estudando e uma mãe amorosa. Uma família humilde, com mais dois irmãos e uma irmã, tendo o mais velho e a mãe falecidos já. Apaixonado por futebol e esportes desde pequeno, muito influenciado pelo tio corintiano. Em casa, jogava futebol de botão com as tampinhas; Na rua, jogava futebol com os amigos.
Começou a trabalhar com 14 anos. Numa época diferente, não tinha noção de nada. "A gente nunca teve acesso a informação, não fazia ideia do que era universidade”, conta. Meio que por obrigação, finalizou o fundamental, ensino médio e começou administração, mas sem esquecer os sonhos de infância.
Indo de trem para a faculdade em Mogi das Cruzes, trajeto longo, teve contato com o pessoal de Educação Física, acabou se interessando pelo curso, estudos do corpo, psicologia e psicomotricidade, o estudo do homem através do seu corpo em movimento e a relação com o mundo externo e interno. Pronto! Estava feito, após dois anos de administração, trocou de graduação. Sobre os rumos que tomou, ele relembra “Nunca pensei em dar aula! Pensei na questão esportiva, em ser preparador físico de um time de futebol ou jogador.”
Toda uma gama de projetos e interesses o guiaram para ser professor. Ingressou no Estado e em seguida na Prefeitura, todos por concurso. Em 2005, escolheu o Céu Vila Atlântica - inaugurado um ano antes na Vila Jaraguá - para trabalhar, ficando lá por 13 anos, que culminaram em vários projetos e muitas amizades. Os CEUs (Centros Educacionais Unificados) eram recentes, dispostos nos lugares mais periféricos, com o objetivo de levar cultura, educação e lazer. “Fiquei encantado para participar”. No começo, ele conta que foi uma loucura.
“Eram os excluídos dos excluídos", estavam fora da rede de ensino, do processo de escolarização. Nesse início, “Você acaba se blindando porque precisa se defender”, relata. Com o ambiente difícil, a primeira equipe formada tinha como objetivo humanizar as relações através de projetos, que com o passar do tempo a Prefeitura definiu os programas que já eram realizados, de graça.
“Entender que existe vida fora do bairro e núcleo de contato que você tem”, esse era o objetivo, ir além. Em 13 anos na escola, além de ser professor, desenvolveu quatro projetos: Clube de Francês; Futebol de botão; Xadrez e Atletismo. Fora saraus, passeios e eventos que ajudou a organizar em coletivo. Sempre com um carinho ao falar sobre os projetos e, principalmente, as relações que construiu. “Paixão pelas atividades, e através dessa paixão você desenvolve projetos e oferece para as pessoas que vão construir com você, e o mais legal que fica são os bons encontros e essas pessoas que se tornam seus amigos, parceiros de vida de jornada.”

Após contribuir com a formação de inúmeras turmas e projetos, saiu da escola por divergir com a nova direção, mas com um carinho por quem fica, além do vínculo afetivo com o bairro em que cresceu e viu crescer. Na nova escola, a EMEF Nilo Peçanha, está em greve junto com outros funcionários “eu não consigo ver um parceiro de luta, em luta e não estar lutando junto”, conta. Ano passado, chegou a dar aulas no novo formato, mas poucos apareciam, a maioria bem jovem ainda, com dificuldade de acesso. Propunha atividades e alongamentos para quem entrava nas aulas remotas, às vezes tocava músicas.
Falando sobre o cenário atual, ele diz “Às vezes eu fico bem deprimido porque você tem vontade de fazer coisas boas, mas tanto desrespeito, tantos absurdos no campo político. O que me motiva é saber que tem gente engajada (...) Fico feliz de ver que pessoas estão resistindo e lutando contra esse governo que se mostrou genocida.”
Ainda tinha um sonho de criança em mente, correr uma São Silvestre. Com 45 anos fez a primeira, “Imagina só, realizar um sonho de adolescente com 45 anos”. Feito duas São Silvestre, aumentou o ritmo para correr uma maratona. Conseguiu cinco anos depois “É uma emoção muito grande porque vai superando limites e dificuldades. O emocional pesa muito, você vai conversando consigo mesmo, pensando em desistir”. Com isso, ele conta o que vem a mente na hora “Lembra dos amigos, das pessoas que te incentivam e, caramba, eu não to correndo só por mim, mas pelas pessoas que acreditaram.”
Além de todas as pessoas que conheceu durante os anos, conta com os dois filhos, fruto de uma amizade, amor e companheirismo de mais de 30 anos com a Claudineia, sua esposa que conheceu aos 18 anos. Elizabete Alves, 21 anos, atual aluna de nutrição e ex-aluna do professor relembra alguns momentos. Durante o fundamental dois inteiro teve o Cleber como professor de Educação Física. Em uma visita para uma palestra da USP (Universidade Pública de São Paulo), teve a oportunidade de entrar no laboratório e fazer um creme de pele, ficou maravilhada com as possibilidade que se abriram.
“Ele sempre incentivou, me ajudou a me ver dentro de uma universidade e é um ambiente que hoje em dia eu gosto muito e futuramente, quero ser professora universitária.” - Elizabete
“No fundo, a nossa vida só tem sentido por conta dessas pessoas. Bons encontros aumentam a nossa potência”, como gosta de citar a frase do filósofo Espinosa.
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